quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Fundo da garrafa

Quando comecei a andar pelas ruas que tinham cheiro de esgoto e eram mais escuras que a noite, eu já não era mulher, eu já não era homem. A chuva levava cada vestigio do que eu poderia ser um, dia, minhas ambições corriam pelas beiradas da rua, as vezes chegando na calçada, mas iam na direção oposta a mim.
Tudo estava num silêncio funebre, e a garrafa que estava na minha mão, vazia já estava. Para onde tinham ido as pessoas daquela cidade? Onde eu tinha ido parar? Eram tantas perguntas, mas eu não queria me esforçar para responder nenhuma delas, os pensamentos estavam sendo roubados aos poucos.
O efeito da bebida passava rápido, e a revolução também passou. Aonde houvera gritos e indignação, repousava submissão e aceitação, pelo menos para os que sobreviveram. Eu costumava ser uma freira, padre, médico ou advogado. Eu costumava ter todas as profissões do mundo, agora não consigo soletrar o alfabeto inteiro. Eu fui mendigo. Eu passava o dia na rua e dormia no castelo. Eu costumava ter uma visão diferente do mundo em que vivia.
Quando a revolução começou, eram poucos os que tinham força pra incitar ocaos que daria origem a tão esperada ordem. Era a minoria querendo que a maioria fosse esmagada. O cheiro daqueles dias era de sangue, menos pior que o cheiro de podridão que cerca agora.
De cansaço não aguentei, e me rendi a unica memoria que restava. Sentei-me ali, naquele ponto de onibus depredado pela vadiagem que costumava se aproveitar da instabilidade daqueles dias e me lembrei do momento em que uma lei fora aprovada.
Todos queriam que nossos lideres fossem depostos, tivessem suas licenças cassadas. Eu lembro que as vozes clamavam por honestidade daqueles que se atreviam a se chamar de lideres, criar leis para nós, dizer o que tinhamos que fazer, quando eles eram putos sem pudor se afogavam numa orgia eleitoral e burocrática sem fim. Era literalmente, uma sem-vergonhice.
Lembro da lei que viria pra salvar a todos. A lei que fora escrita para ser estritamente rigida e seria posta em vigencia o mais rapido possivel.
Assim que ela saiu, todos que eu conhecia, morreram ou foram embora para onde pudessem ser aceitos. Me surpreendi que da parte dos revolucionarios, foram poucos os que puderam caminhar vivos e livres após.
Nunca tive duvida de que eu sobreviveria, mas e quanto aos meus maridos, esposas e amigos do seminário?
Eles se foram.
Todos se foram.
No momento em que determinaram que quem não fosse honesto e desse uma medida certa a verdade, ou seja, agisse por meio de meias-verdades, seria caçados, torturado e morto, ou exilado para onde pudessem ser aceitos como iguais.
Ouvi dizer que os países de primeiros mundo tiveram uma taxa de emigração alta quando isto ocorreu, assim como o paraíso, assim minha irmã ou irmão espirita me dissera.
Todos se foram quando a mentira começou a ser de fato um pecado.
As ruas vazias assobiam pra mim tentando me consolar. Os ventos do norte me abraçam e dizem que tudo ficará bem.
Se eles me dizem, se eles estão aqui pra me dizer isso hoje, eu deveria acreditar não? A garrafa estava vazia e a minha garganta estava seca. Afaguei meus cabelos e pus-me a levantar. Os olhares perdidos encontraram um céu estrelado e limpo, de que acabou de chorar as lagrimas de que agora lá morava. E eu ando na solidão de quem não pertence a natureza que um dia fora humana...


Essa seria a minha redação do ENEM se não houvesse limites de linhas e se fosse em narrativa =P

Desejo a todos boas festas^^ Que o ano novo de quem tá lendo isso ou não, seja incrivel, e que o ano que vem seja tudo que esse ano não pôde ser =}
E que engordem tanto quanto eu nessa comemoração xD

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